sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Um artigo sobre a crueldade e inconstitucionalidade da lei dos rodeios

DA INCONSTITUCIONALIDADE DA PRÁTICA DE RODEIOS
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Texto de : Isadora Ferreira Neves
Data de publicação: 10/03/2008
Como citar este artigo: NEVES, Isadora Ferreira. Da inconstitucionalidade da prática de rodeios. Disponível em http://www.iuspedia.com.br 10 mar. 2008.

1- Introdução


Dá-se o nome de rodeio à atividade de montaria em dorso de animal, em que o "peão" (pessoa participante da prova) se propõe ao desafio de permanecer o maior tempo possível montado, enquanto o animal pula e se contorce na arena. À primeira vista, diante dos olhos destreinados da sociedade, pode parecer a referida prática inofensiva, por ser exaustivamente exposta pelos meios de comunicação, além de contar com grande número de espectadores.

O presente trabalho, entretanto, tem o objetivo de desmistificar a visão atual sobre os rodeios, de modo a apresentar o nível de crueldade praticado contra os animais que se submetem a esta prova, em flagrante violação aos preceitos constitucionais que tutelam o meio ambiente, e a integridade da fauna nacional. O desenvolvimento do tema se dará através da exposição dos aspectos relevantes da legislação nacional sobre os rodeios e da argumentação da crueldade da referida prática, e pela conclusão de inconstitucionalidade da prova.


2- A regulamentação dos rodeios na legislação brasileira


Duas são as leis que regulam a atividade de rodeio no território nacional: a Lei nº. 10.220/01, que regulamenta a atividade, e a Lei nº. 10.519/02, que dispõe sobre cuidados sanitários.


A Lei nº. 10.220/01, em seu artigo 1º, traz uma importante definição:


"Art. 1o Considera-se atleta profissional o peão de rodeio cuja atividade consiste na participação, mediante remuneração pactuada em contrato próprio, em provas de destreza no dorso de animais eqüinos ou bovinos, em torneios patrocinados por entidades públicas ou privadas.


Parágrafo único. Entendem-se como provas de rodeios as montarias em bovinos e eqüinos, as vaquejadas e provas de laço, promovidas por entidades públicas ou privadas, além de outras atividades profissionais da modalidade organizadas pelos atletas e entidades dessa prática esportiva."


Pois bem, ao interpretar o referido dispositivo gramaticalmente, infere-se a legalização das seguintes práticas: o rodeio propriamente dito, a vaquejada (que consiste na perseguição de um boi por um grupo montado a cavalo até que o animal seja derrubado), e a prova de laço (em que o bezerro é enforcado pelo peão que joga o laço em seu pescoço).


Quanto às duas últimas práticas - a vaquejada e a prova de laço - é dispensável fundamentação quanto à sua crueldade. Impossível o raciocínio de que a derrubada de um boi por um grupo em cavalgada não lhe causaria fraturas em seus ossos, ou mesmo lesões mais graves. Na prova do laço, o bezerro tem uma corda amarrada em seu pescoço para ser capturado pelo peão. Pelo exposto, resta evidenciada a profunda crueldade praticada contra os animais nas atividades mencionadas.


A prática do rodeio, todavia, merece elucidação mais esmiuçada, por sua popularidade, bem como por sua particular crueldade no tocante à vida e saúde dos animais.


Durante a prova de rodeio, o animal é amarrado por um instrumento chamado sedém (espécie de amarra, que aperta o dorso do animal, que em alguns casos tem seus órgãos reprodutivos esmagados para que pule com mais força). Enquanto isso, o peão permanece em cima do animal, sendo conferido o prêmio àquele que por mais tempo prolongar esta situação. Presencia o público acalorado a uma exibição da capacidade de humana de se comportar de modo cruel, crueldade esta que se mostra de forma mais clara quando o peão é louvacionado, como se tal atividade pudesse ser motivo de algum orgulho.


Quanto ao referido profissional, a este sim, a lei confere proteção, mais especificamente em seu art. 2º, §1º, transcrito a seguir:


"§ 1o É obrigatória a contratação, pelas entidades promotoras, de seguro de vida e de acidentes em favor do peão de rodeio, compreendendo indenizações por morte ou invalidez permanente no valor mínimo de cem mil reais, devendo este valor ser atualizado a cada período de doze meses contados da publicação desta Lei, com base na Taxa Referencial de Juros, TR."


Verifica-se, deste modo, uma inversão de valores na legislação ambiental brasileira: esta confere garantias ao sujeito agressor, e legaliza a própria prática da agressão. Diante dessa vergonhosa constatação, passa-se a dissertar pela inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizam a prática de rodeio.


3- Da inconstitucionalidade da atividade de rodeio


O seguinte preceito constitucional tutela o direito dos animais na Constituição Federal de 1988:
"Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (...)


VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade."


Na ordem jurídica atual, todos os ramos do direito se entrelaçam com o Direito Constitucional, uma vez que este fornece os pilares para a valoração dos bens jurídicos, bem como dos princípios que regem a atividade legislativa e interpretativa. Mais especificamente quanto ao Direito Ambiental, este aspecto se torna ainda mais presente, uma vez que este ramo do direito tutela bens difusos, com finalidade de promover o equilíbrio social, e neste aspecto a proteção conferida pela Constituição Federal de 1988 é fundamental.


Ao dispor que são vedadas práticas que submetam os animais a crueldade, a constituição é expressa em trazer o direito à vida do animal como um bem jurídico, que deve ser respeitado. Desta forma não se pode interpretar que o que a CF quis valorar fora a vida humana. No dispositivo supracitado, a lei maior protege a fauna e a vida animal, e sob este ângulo que deve ser interpretada.


Falacioso é o argumento de que o rodeio é um bem cultural. [1] A prática do rodeio foi trazida à sociedade brasileira por influência americana, e não se constitui em prova que faz parte da identidade nacional. Ademais, deve-se presumir que a civilização evoluiu, e que o homem não mais necessita de defesa contra a superioridade física do animal, bem como que é capaz de entender que, apesar de sua atividade ser aceita, esta é revestida de crueldade. Como sustentar que uma sociedade evoluída ao ponto de transformar por completo o planeta em que vive é incapaz de compreender o caráter cruel de um ato que realiza? Cabe, portanto, aos estudiosos do direito, interpretarem devidamente os seus princípios, sob pena de graves equívocos.


4 - Conclusão


Sustentamos, por fim, pelos argumentos acima defendidos, a inconstitucionalidade das leis mencionadas, constatando-se que estas devem ser expressamente banidas da ordem jurídica nacional.


Igual entendimento foi adotado pelo poder legislativo das cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Sorocaba, Guarulhos e Jundiaí ao instituírem leis que vedam o rodeio.


Nas cidades de Ribeirão Preto, Ribeirão Bonito, Itu, São Pedro, Bauru, Arealva, Avaí, Itupeva, Cabreuva, Américo Brasiliense, Rincão, Santa Lúcia, Boa Esperança do Sul e Cravinhos a ilegalidade da prova foi reconhecida por meio de decisões judiciais. [2]


Percebe-se que o ser humano tem profunda dificuldade de enxergar o sofrimento de um ser que não consegue pedir ajuda. Matam as vitimas das conseqüências do seu próprio egoísmo. Diante desse quadro, duas posições podem ser tomadas: continuar a chacina, ou ser racional e começar a reverter este quadro desastroso. Para que a segunda opção se efetive, é fundamental a conscientização sobre os direitos à vida e integridade física dos animais e a adoção de leis que tragam garantias efetivas para a proteção destes direitos.


1. Maiores informações sobre a crueldade contra animais: http://www.tribunaanimal.com/artigos_protecao_04.htm
2. Fonte: http://www.marica.com.br/2005b/imagens/0109rodeio.htm

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